quarta-feira, 7 de março de 2012

Óh, Almas Pagãs! (Oh, Pagan souls!)


             Almas pagãs! Sejam elas ruidosas ou silentes, que acasos as trazem para perto de mim? Talvez essas almas se percebam em meio ao mundo decrépito persistente. Almas pagãs que invocam tempestades, trovões sacralizados rachando o céu melancólico de nossas paisagens, assim como aquelas muitas almas pagãs que lançam-se ao destino em busca de terra firme, da terra magicamente cercada onde as gerações devem descansar e se purificar para, novamente, cumprir seu legado eterno. Cada alma com sua inclinação irresistível e individualidade própria à sua categoria consegue alcançar, pelo compartilhamento de um único ponto essencial em comum, uma sincronia superior, mística, que apenas esses filhos da nostalgia e da névoa podem perceber. Essa ligação metafísica não se trata de um acaso ou mero compartilhar de interesses. As almas pagãs se relacionam no Wyrd: incontáveis pequenas guerras, sacrifícios e conquistas. Sobre nossas costas o fardo da memória e de mil ciclos transpassados e imortalizados em nosso sangue. Nossos ancestrais são nós! O passado, o presente e o futuro são elementos da mesma forma no espaço onde as almas pagãs verdadeiramente são.
            Me sinto amplamente enobrecido ao ouvir histórias fascinantes de seres que compartilham dessa mesma essência arcaica. Um sopro de ânimo atravessa latitudes e toma o meu ser, passo a ser potência pura. Não me sinto de tal forma meramente pelo fato de ouvi-las, mas por saber que partilho desse mesmo universo paralelo de milagre e mágica tanto no ponto mais oculto de minha constituição quanto nos sons e sinais que projeto sobre o mundo.
            Somente nas almas pagãs pode-se encontrar um certo grau de desprendimento do mundano aliado a uma direção natural à sua própria ascensão antevista interiormente. Uma reconhece a outra, mas cada lobo permanece, ainda, em sua toca; respeito por aquele que permanece no plano exterior sem ser estranho a si mesmo e respeito pelo próprio ser e sua necessária solidão. Tamanho desprezo pelo que é moderno! Desconfiança extrema é o que há para cada nova tendência! Tudo isso pode ser encontrado aqui em nosso baluarte cósmico, coletivo, inato.
            Espíritos arcaicos que nunca partirão (sem que a própria noção do 'nunca', do tempo mesmo seja destruída nesse ato)! Cada um desses possui, dentro de si, uma miríade de odes ao inexistente apenas aguardando para ser liberada no cosmos, vibrando notas jamais entoadas! Bradar misantrópico que ainda ecoa em uma ou outra floresta pura o suficiente para receber e saudar a esses nobres visitantes! Urros feéricos interpretados como dizeres malditos – Tergum Hostis – impulso à liberdade de ação e elevação de si.
            Cinquenta gerações me empurram e norteiam minha saga de natureza ancestral. O mundo apenas se encerra em meios – todos vulgares – de concretizar o único propósito elevado; liberdade, rompimento com as formas; despencar no mais profundo abismo e lá permanecer até que seja suficiente a graça e hostilidade acumulados para então alcançar lugares inimagináveis àqueles que se permitiram seguir a senda mais óbvia.
            Minhas almas pagãs, onde mais poderia encontrar seus exemplares? Onde escondem-se essas faces de mármore e o que contemplam seus olhares frios e penetrantes? Um fascínio obscuro nasce aqui, um mergulho na própria essência, um percorrer astral em florestas antigas que sonhamos, todas as noites, cruzar novamente.

Flavslav Sigthor, em reflexões após conversas com amigos estimados

Um comentário: